"hotel chevalier" é uma curta-metragem que o wes anderson realizou para servir de preâmbulo ao filme "darjeeling limited". se ainda não a viram, podem fazê-lo aqui (primeira parte) e aqui (segunda parte).
natalie portman surge em "hotel chevalier" de cabelo curto, palito na boca e sobretudo até aos joelhos. para além da caracterização, a personagem de natalie portman assume o papel tradicionalmente masculino de dominação, fazendo gato sapato do companheiro.
wes anderson desenha um perfil hiper-masculinizado para a personagem de natalie portman mas, apesar do grotesco que a acompanha ao longo da curta, o que sobressai é a inevitável graciosidade; isso, e o quão bonita fica de cabelo curto.
o cabelo curto enquanto demarcador de género é especialmente vincado nas crianças; poucos são os meninos de cabelo comprido e as meninas de cabelo curto e os que existem são frequentemente apontados enquanto exemplos de conflito de género: os meninos de cabelo comprido parecem meninas e as meninas de cabelo curto parecem meninos.
a partir da adolescência, este conflito nos papéis capilares de género é entendido como rebeldia: vide, por exemplo, nos anos noventa, a juba do kurt cobain e a carecada da sinead o'connor.
o cabelo da natalie portman no hotel chevalier, porém, vai muito para além disso: na delicadeza de um pescoço nu, a prova de que a elegância não se encontra necessariamente nas cem escovadelas diárias no cabelo.
talvez não acreditassem no amor que se escreve por aí. perdiam-se, de olhos fechados, nos sonhos em que fugiam de mãos dadas. ele soprava no rosto dela e perguntava-lhe se sentia o frio gelar-lhe a cara: "chegamos, querida. dizia ali patagónia"; ela abraçava-o com força, embrulhava-se no cachecol dele e dizia-lhe: "tenho tanto frio". arrastava-o pela mão, corria até um sonho de mar, soprava no rosto dele e perguntava-lhe se sabia a maresia: "molhamos só os pés, anda"; ele apertava-lhe a mão com força, puxava-a contra si e sussurrava ansioso: "mas eu não gosto do mar". e de manhã, ainda deitados, escreviam e pintavam em verso o único receio que partilhavam: as manhãs de cama vazia.
não escreviam nem pintavam o amor em que se acredita por aí, talvez não soubessem a que sabe esse amor que todos vão encontrando por aí: as saudades não eram cócegas de borboletas na barriga, eram golpes a rasgar o estômago; os reencontros não eram a urgência nas corridas em câmara lenta, eram o cicio borbulhar do álcool ao queimar as feridas. um dia, quando ela lhe disse que já não acreditava no amor ele, em súbita asfixia vocabular, não soube sequer dizer-lhe adeus. de mãos nos bolsos, afastou-se enquanto mordia nos lábios a certeza de que esta história tinha sido escrita para adormecer nas palavras.
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este post termina a série iniciada no post .16. o conjunto dos posts pode ser lido aqui.
olá amig@s, agradeço a vossa preocupação sobre o futuro do vad, mas gostava de vos tranquilizar. aquele "este blogue não podia acabar sem os dois versos mais bonitos da história da música" e o "fica também o vad" não significam o fim, pelo menos um fim imediato, do vad; esta segunda frase, então, era apenas uma tentativa de aliteração que ficou manca e acabou por não resultar.
espero em breve voltar à programação habitual, continuem a passar por cá.
acho que nunca, ao longo destes seis anos, escolhi o tom waits para música de fundo do vad. já passou por cá muito boa música, mas este blogue não podia acabar sem os dois versos mais bonitos da história da música. ficam os dois versos, fica a voz do tom waits e, quem sabe, fica também o vad. até ao dia.
ela chorava como se tentasse exorcizar as memórias que aquele adeus repintara tristes. chorou dias inteiros e, com as lágrimas, foram escorrendo também as cores com que fora pintando a história deles na parede do quarto. às camadas, desenhara deles cada suspiro e, à vez, foi encontrando naquela cascata de tinta as manhãs que se espreguiçavam em dias completos, a tarde sob o sol estrelado nas folhas das árvores, a dança dos arrepios nos abraços de mãos frias. talvez, pensou, precisassem de rever todas as recordações e passá-las a limpo; talvez tivesse sido diferente se o passado dela não lhe tremesse os traços de felicidade ou se o tempo não queimasse as cores.
os red boys adaptaram uma música do tony carreira e criaram uma das melhores músicas de apoio ao braga, um dia destes falo sobre isso; hoje vi e ouvi uma firm do tottenham num cover da horrível truly madly deeply dos savage garden. tal como na versão dos rb, também nesta o cover é muito superior à versão original. para ver e ouvir abaixo.
dia 16 de fevereiro, terça-feira, é lançado um álbum para angariação de fundos para recuperar o preservation hall em nova orleães. neste álbum, a preservation hall jazz band interpreta temas clássicos da cidade e, para isso, convidou uma série de artistas como tom waits, andrew bird e ani difranco. podem ouvir todo o álbum aqui.
dediquei a noite de ontem e a manhã de hoje a rever o life aquatic with steve zissou e a explorar os extras do dvd - tenho a edição com dois discos. o life aquatic foi o primeiro filme do wes anderson que vi e, para já, continua no meu top3 de filmes preferidos dele; já os vi todos, mas não há amor como o primeiro nem como o último e, por isso, torna-se difícil ordenar as preferências quando falamos de amor cinematográfico. sigamos então adiante. o life aquatic with steve zissou é, se ainda não viram, um dos melhores filmes da última década.
e, se ainda não viram, deixo-vos um aperitivo do que se ouve - em português - no filme. se já viram e ouviram, ouçam outra vez que mal não vos fará, concerteza.
seu jorge - life on mars (cover do david bowie)
já agora, e porque falamos do life aquatic, deixo-vos uma entrevista que o wes anderson e o noah baumbach dão no programa mondo monda. esta entrevista faz parte dos extras do dvd e é conduzida por um tipo absolutamente execrável. se gostarem de sofrer, podem ver a entrevista aqui (primeira parte) e aqui (segunda parte).
e para não dizerem que não sou vosso amigo, deixo-vos ainda uma pista de como comprar os dvds de três filmes (rushmore, the royal tenenbaums* e the life aquatic with steve zissou*) do wes por 10,49€. se não se incomodarem com o facto de os filmes não terem legendas em português, podem adquiri-los aqui.
talvez o amor nos fuja quando o tentamos escrever, quando insistimos em dizê-lo. talvez desconfie das palavras bonitas, das palavras de amor; talvez saiba que as palavras são apenas desculpas ou motivos, que as cartas de amor são ridículas porque o amor não é de escrever. e aqui lembrou-se dos "gosto de ti" de almofada, dos "amor" nos beijos no pescoço, dos "felizes para sempre" nos abraços à volta da barriga; depois lembrou-se do silêncio das noites mãos dadas nos bancos de pedra, do silêncio das tardes espraiadas sobre a relva, do silêncio dos dias espreguiçados na cama. "fomos tão felizes enquanto não o soubemos dizer", escreveu.
pensou escrever-lhe o sol no cabelo, o brilho dos olhos, a delicadeza das mãos, o belíssimo corar, os lábios. pensou escrever-lhe os lábios sempre doces, ora em beijos, sorrisos, cicios ou gargalhadas. no caminho até casa contou pelo menos vinte poemas e, deslumbrado, foi escrevendo os versos mais bonitos na mão esquerda, depois nos recibos que tinha na carteira e, quando não tinha mais onde escrever, escreveu no telemóvel. porém, em casa, ao reescrevê-los, notou que já não lhe brilhavam os olhos e o cabelo, que as rugas lhe rasgavam o rosto e as mãos, que os lábios cereja haviam empalidecido.
"la cuestión no es si nosotros creemos en dios, la cuestión es si dios cree en nosotros, porque si no cree... estamos jodidos."
dizem que este não é um filme baseado numa história real, que é o retrato de milhares de histórias reais. podem espreitar um pedaço aqui, mas façam o favor de vê-lo todo logo que possam.
há aqueles malucos que gritam nos viadutos que o mundo vai acabar com chuvas de enxofre. mas são malucos e ninguém lhes paga. agora, com medina carreira e os catastrofistas da tv, o enxofre entra-nos pela casa: estamos condenados como país e como povo, não há nenhuma salvação possível. é demasiado circo para tão pouco pão.
acho que tiveram pouco tempo, talvez o tenham desperdiçado por não saberem que terminaria logo. soube-lhes a pouco, disso tenho a certeza, bem lhes vi as rugas de hesitação e o morder de lábios nervoso. ela chorava e afastava-se, ele, de mãos nos bolsos, não pensava se não em escrever-lhe; na cabeça dela, as desculpas eram versos e cartas de amor, palavras que ela não saberia recusar. seriam letras em beijos, palavras em abraços e cada parágrafo uma história de amor que se esqueceram de viver. "isso!", sorria orgulhoso, "hei-de escrever-nos em palavras tão bonitas que ela será incapaz de continuar a fugir".