em fim de década, o meu texto preferido deste ano. bons anos dez.
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aconteceu num tempo que deixou de passar, num presente que congelou no mar picado pelo sol. o sol já caía para a noite e o azul começava a ver-se vermelho, laranja e roxo. houve mãos dadas e palavras de coragem, arrepios e suspiros; os primeiros de medo, os segundos de impaciência. ele tentava afogar-se numa areia que desejava movediça, ela desesperava para que ele, pelo menos, molhasse os pés.
depois dos calcanhares, os tornozelos, os joelhos e as ancas. assim, num ápice, tinha já a água pelo peito e os pulmões em choque. o mar enrolava tranquilo, o vento assobiava em paz, ela boiava serena e ele, prestes a desfalecer, agoniava ao sentir o coração em vertiginosa contagem decrescente.
"memória fotográfica", diz ele hoje em dia. "é que depois disso não me lembro de mais nada, como se o meu coração tivesse parado mesmo e ressuscitado já na praia. a minha memória seguinte é a da vontade de guardar a areia nos bolsos e a água nos olhos, quando acordei no areal. foi como se tivesse vivido o paraíso e, apesar de não o recordar, não querer perder essas memórias. por essa razão, nunca mais consegui chorar".
não me recordo dos pormenores mais importantes: não me lembro de quem marcou, de como foram os golos, do que se cantava no estádio. não me recordo e talvez o tenha feito de propósito, por instinto braguista; as únicas coisas de que me lembro são o adversário do vitória nesse jogo (o união da madeira) e o resultado final (2-0). lembro-me também, e isso é especialmente saboroso, de ter recusado segurar uma das pontas de um lençol gigante com o símbolo do vitória.
o primeiro jogo que vi num estádio foi um vitória sport clube - clube futebol união em 1993 e o que poderia ser uma mancha irremediável no meu curriculum braguista tornou-se, no último par de meses, numa das minhas memórias preferidas; especialmente depois de, no dia de natal, ter perguntado ao responsável pela minha primeira experiência futebolística ao vivo se se lembrava desse jogo.
ele não me disse que sim nem que não, a voz já lhe falhava, mas guardei o sorriso em forma de brilho no olhar; crescente à medida que lhe dava mais pistas sobre o jogo: "foi contra o união da madeira; o vitória ganhou dois zero; havia um lençol gigante com o símbolo do vitória com confettis em cima". talvez até nem se lembrasse daquele, mas sei que sorria por ouvir memórias da felicidade que insistia em partilhar.
e muito mais que clubite, era generosidade. e como eu, também os meus irmãos e primos partilharam com ele vários momentos da felicidade dele. pareciam muitas vezes redundantes, entre o futebol e o café, mas, e apesar de ser um homem de gostos simples, era a oportunidade de os partilhar com alguém que parecia fazê-lo verdadeiramente feliz.
faleceu segunda-feira e foi hoje a sepultar. e eu nem tive oportunidade de lhe agradecer.
podia ser um bom filme, podia ser até um grande filme. não é bom, muito menos grande, é apenas um - mais um - filme sobrevalorizado. tem uma banda sonora bonita, tem uma fotografia bonita, tem algumas cenas quase perfeitas, mas é, apesar disso tudo, extremamente aborrecido.
e parecia fácil fugir a isso. a história é bonita, mas o filme tropeça nela tantas vezes que chega até a embaraçar; os diálogos são desinspirados e demasiado improváveis; o protagonista é irritante.
enfim, a fórmula era simples e o resultado desastroso. podia ser um filme bonito, podia.
um dos anúncios da nova série de anúncios televisivos da optimus começa com o isaac alfaiate* a convidar gente para uma festa que ele está a organizar. o anúncio corre num passa-a-palavra e cada convidado diz que vai se puder levar outra pessoa e termina quando o círculo se fecha de forma algo inesperada. um rapaz, no autocarro, diz que só vai se puder levar o isaac alfaiate. e, por isso, liga-lhe para o convidar. o isaac atende e diz-lhe "mas eu já cá estou. a festa é minha".
e eu não sei como é que o amigo do isaac alfaiate reagiu, mas não deixa de ser caricato que o isaac alfaiate organize uma festa, convide pessoas e aceite que estas levem mais alguém e não se lembre sequer desse amigo utente de transportes públicos. e isto poderia até nem ser muito mau, não fosse o facto de o isaac figurar em primeiro na lista de convidáveis para festas desse amigo e o amigo nem sequer aparecer na lista do isaac.
*a cidália disse-me que afinal não é o isaac alfaiate.
3. kings of convenience - declaration of dependence
4. noah and the whale - the first days of spring
5. mountain goats - the life of the world to come
6. lhasa - lhasa 7. bill callahan - sometimes i wish we were an eagle 8. great lake swimmers - lost channels 9. mi and l'au - good morning jokers 10. wilco - wilco (the album)
11. mirah - (a)spera 12. god help the girl - s/t 13. magnolia electric co - josephine 14. devendra banhart - what will we be 15. tiago sousa - insónia
16. iron & wine - around the well 17. damon and naomi - the sub pop years 18. norberto lobo - pata lenta 19. antony and the johnsons - the crying light 20. jarvis cocker - further complications
1. leonard cohen - live in london 2. blur - all the people... live in hyde park 3. micah p. hinson - all dressed up and smelling of strangers 4. morrissey - swords 5. andrew bird - live session (itunes exclusive)
noah and the whale é uma daquelas bandas que pedem para não ser ouvidas só por causa do nome. que raio de nome vem a ser esse? "o noah e a baleia", pft. não fosse o grande filme "a lula e a baleia" e acho que a minha referência de subconsciente seria o "free willy"; e a willy era uma orca, não uma baleia. adiante, o essencial a reter é: o nome é mau como tudo.
quando foi lançado, lá para meio deste ano, o "the first days of spring" causou alvoroço entre a crítica musical, profissional e amadora. todos os apontavam como candidato a disco do ano, mas na altura ouvi-o e pensei: que coisinha mais aborrecida. pois é, estava enganado: era concerteza da estação emocional. agora não consigo ouvir outra coisa.
e estes primeiros dias de primavera enganam mesmo: parece álbum choninhas de um tipo que chora porque a namorada lhe deu com os pés, mas é muito mais que isso: é chapada de luva branca como quem diz "vê lá o que é que perdeste" e é também o melhor disco de tipo que chora porque a namorada lhe deu com os pés desde o "sea change" do beck. e não me vou alongar muito nesta comparação, porque estou aqui para elogiar o noah.
acho que ainda vou escrever muito sobre este álbum até ao fim do ano, por isso deixo-vos só a música que abre o disco e a respectiva letra.
terminou hoje, por vontade do seu criador, o maior blogue bracarense. por ele passou grande parte - e a parte mais interessante - da discussão sobre a cidade de braga e sobre o minho. não fecha, ao que consta, por pressões políticas, mas deixa um vazio de participação cívica que espero que seja rapidamente preenchido.
ficam as palavras espalhadas por milhares de posts. da minha parte, deixei algumas em meia centena de posts de avenida ideal.
hoje braga perde hoje um bocado de história, mas celebra também uma das melhores memórias recentes.
a minha paciência para o josh rouse esgotou-se logo após o "under cold blue stars", álbum de que aliás gostei muito. porém, ao ler que o josh rouse ia editar um ep chamado valencia, dedicado à cidade onde vivi um ano, tive vontade de abraçá-lo e dizer-lhe: "volta, josh, estás perdoado".
mas não, não me devia ter entusiasmado tanto porque só de ouvir a música que abre o ep, também chamada "valencia" fiquei imediatamente nauseado. eu não sei em que valência é que o josh vive, mas aquela valência-salsa-merengue cantada em espanhol sofrível não é a minha valência.
para que compreendam a minha revolta e se juntem a mim no atirar de ovos podres ao josh, podem ouvir aqui a pior dedicatória possível a uma cidade que, não fossem as baratas, seria a cidade mais bonita do mundo.
já está pronto o segundo vadcast. este, com o vento como tema, tem uma qualidade ainda mais baixa que o primeiro. e, portanto, é para evitar ouvir. ainda assim, se tiverem espaço livre no disco e isso vos incomodar, podem sacá-lo aqui e guardá-lo junto ao ícone da reciclagem.
dead combo - o menino, o vento e o mar norberto lobo - vento em polpa tó trips - the wind blows bill callahan - the wind and the dove patrick wolf - wind in the wires billy bragg & wilco - black wind blowing
estreio hoje uma brincadeira nova no vad, o vadcast. o vadcast é um programa de rádio muito muito fraquinho em que eu digo meia dúzia de coisas sem interesse e com a minha voz fanhosa. o que vale é que a maior parte do tempo o vadcast dá-vos música e pronto, vai valendo a pena por causa disso. se quiserem e se o vosso mau gosto for assim tão grande, podem fazer o download do vosso programa favorito aqui.
no primeiro vadcast podem ouvir:
andrew bird - sovay zeca baleiro - quase nada beach house - childhood howe gelb - love knows (no borders) micah p. hinson - don't you (part 1 & 2) simone white - roses are not red
há já alguns anos que os fãs de radiohead desejam o regresso da banda aos palcos portugueses e, apesar de quase todos terem desdenhado a prestação daquele moço loiro dos ídolos na edição de ontem, o tal moço arrisca-se a ser o responsável por esse regresso.
se até agora os radiohead eram conhecidos do grande público pela creep, agora, dada a popularidade do rapaz - que por acaso até tem um ar ligeiramente esgrouviado, como o thom yorke, aliás -, arriscam passar de banda de culto a banda popular em portugal. ainda mais depois daquele júri magrinho dizer que eles são, provavelmente, a melhor banda do mundo.
ora, se os radiohead se tornarem the new black em portugal, que cor escolherão os até agora fãs portugueses de radiohead?
disse-lhe que também gosta muito do silêncio, que às vezes fica horas, outras vez dias inteiros, chegam a ser semanas completas; sempre, sempre, sempre em silêncio. disse-lhe que também encontra a perfeição no silêncio, no vazio, do branco e do preto, que sabe que a musicalidade do quotidiano dança escondida entre o ruído dos dias comuns. disse-lhe que também gosta de sonhos mudos, das palavras nunca ditas, apenas escritas, que também gosta de fingir não ouvir ninguém e inventar os diálogos das pessoas que nunca se calam. e ele ouviu-a neste elogio ao silêncio que se esticou bem para lá destas linhas; e foram tantas as linhas por ela ditas, não escritas, que até o silêncio se cansou de ouvir, que até o silêncio os abandonou. e ele, que não lhe soube fugir, sentou-se em fingida surdez como se lhe inventasse palavras originais, como se lhe inventasse a graça que aquele olhar parecia esconder.