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terça-feira, 29 de setembro de 2009

deslumbrava #3

deslumbravam os sonhos que os teus olhos pareciam contar, deslumbravas nos sonhos que sonhava teus.


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deslumbrava #2

deslumbrava a moldura que cinzelava a tua silhueta, no corar descorado das cores das coisas.


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deslumbrava #1

deslumbrava a melancolia que arrastavas nos olás quase mudos.


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terça-feira, 22 de setembro de 2009

eles dizem #11

cama de casal

há uns tempos que se deita mais cedo. adormece no sofá, em frente da televisão, e fica com dores no pescoço. nada disto lhe acontecia. alias, mesmo de tarde, o sono envolve-o de repente. "estavas a cabecear", diz-lhe a mulher. "a cabeça pendia-te ou andava de um lado para o outro." sorriam. "é a idade, que se lhe há-de fazer?"
também costumava ler um pouco, antes de a mulher se deitar. depois, conversavam, recordavam coisas antigas e riam-se. "éramos muito novos, quando nos conhecemos, e só queríamos estar um com o outro." agora, quando ela chega à cama, ele, muitas vezes, já está a dormir. ela não faz o mínimo ruído. "a que horas te vieste deitar, ontem?", pergunta ele. "não dei por te deitares."
aquele intervalo que vai do esticar-se até à chegada do sono preenche-o, agora, com lembranças, nem todas agradáveis. ela percebe. "estás a recordar-te de alguma coisa que eu não sei." há anos que não dão um beijo antes de adormecerem. passou. não é o cansaço da presença, nada disso: é a vida. a vida transforma as emoções e acaba com os pequenos prazeres. ah!, como gostava de o beijar!, como gostava de a beijar. a primeira vez que se beijaram, não foi a primeira vez que a beijou, foi a primeira vez que se beijaram, porque o beijo foi recíproco e feliz, natural e sem surpresa, estavam na rua do ouro e caminhavam para o terreiro do paço. "lembras-te?", pergunta ela. estão deitados e de mãos dadas. também não davam as mãos há muito tempo, como estas coisas se desvanecem e perdem. "então não havia de me lembrar? a tua boca era húmida e fresca." ela virou levemente a cabeça e fitou-o. "já não é, pois não?"
antes de esta soneira lhe dar, contavam um ao outro os episódios do dia. ela, as histórias que ouvira na praça, as leves conversas avulsas com as vizinhas, as intrigas, as perplexidades. ele, o que fizera no escritório, as ressacas do almeida, a carranca do encarregado. não acontecia nada ao almeida porque era um excelente correspondente em inglês e alemão, e todos sentiam compaixão pelo que lhe acontecera: a mulher trocara-o por outro. muitos casais separados, sobretudo depois da Revolução, parecia que um vento de loucura varrera as famílias. "o nosso casamento foi o único que resistiu", diz ele. um grande silêncio. ambos mergulharam em fundos pensamentos, sabe-se lá o que ocultam, sabe-se lá o que nunca disseram um ao outro; sabe-se lá.
não tinham filhos. nunca tiveram filhos por deliberação própria. "devíamos tê-los tido", costumava dizer ela. "sobretudo uma ou duas raparigas. faziam-me companhia e sempre conversávamos de coisas de mulheres. às vezes, estou horas seguidas sem conversar. estás a ler 'a bola' ou a dormitar." di-lo com um leve tom de recriminação. di-lo com um distante tom de ternura. olha-o.
costumavam ir ao cinema. nessa época, os cinemas faziam descontos às segundas-feiras, e eles aproveitavam. ele fora atingido por um despedimento colectivo, andara desorientado, começarara a beber demais, até que ela decidira ter com ele uma longa e grave conversa. nessa conversa relembrara que dias muito difíceis haviam enfrentado os dois; ela chegara a trabalhar a dias; ainda bem que não tiveram filhos senão era uma carga de trabalhos; ele não podia ir-se abaixo; noutros tempos estivera preso por política; nada abalara essa força interior que animara os dois. agarraram-se um ao outro, lágrimas nos olhos. "não te esqueças nunca: tu és o meu rochedo", dissera ela. e ele agarrara-se-lhe, também apoiado nessa coragem sem nome, protegido pela energia dela, até pelo seu sorriso molhado.
agora, permaneciam na cama até tarde. quando ele trabalhava de correspondente de línguas, ela erguia-se muito cedo, fazia-lhe a torrada com o pão de centeio do dia anterior, ele gostava muito de pão de centeio, uma chávena grande de café com leite, ala que se faz tarde! agora, preguiçavam até para lá das 11; era ele que se levantava antes dela; ia para a sala, ligava a televisão, ficava por ali. "tens de te animar", dizia ela. "não podes ficar aí, horas e horas, diante da televisão. vamos passear. talvez até devesses arranjar um biscate, nem toda a gente sabe inglês e alemão."
"estás acordada?" "estava quase a dormir." lembrou-se, sabe-se lá porquê!?, da feira da luz, aonde costumavam ir, todos os anos, ela ia rezar à igreja, ele passeava pelos expositores, chegou a comprar um lote de facas muito boas, já não há desse material, hoje é tudo vigarice. "temos de ir, este ano, à feira da luz. devíamos retomar algumas das nossas coisas antigas." "talvez", diz ela.

baptista-bastos, montepio #63 - outono 2009


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sábado, 19 de setembro de 2009

sirenes

se há coisa que não consigo ouvir é hip hop americano. não sei se por hoje em dia estar dominado pelo gangsta rap, se porque sempre que penso em hip hop americano vejo a fronha do 50 cent, se por achar o bling bling a moda musical mais parva de sempre, não consigo suportar sequer a meia dúzia de segundos instrumentais que antecedem a entrada da voz. e ui, se há coisas que detesto no hip hop americano são as letras e a forma como o inglês soa no rap.

o que vale ao hip hop é haver hip hop português. se não fosse isso, imaginem como o hip hop se sentiria por eu não o ouvir. provavelmente o mesmo que o techno, o trance e o house, ligeiramente enjoados das substâncias químicas que ingerem para esquecer o facto de eu os odiar profundamente.

voltando ao que interessa. o que vale ao hip hop é haver hip hop português e, especialmente haver o sam the kid. provavelmente nem será só hip hop, porque há alturas em que soa a hip hopoesia. mas sobre o sam falarei num outro dia, que há muito quero escrever sobre ele.

mas este post é uma dedicatória. em dia de jogo do braga, uma dedicatória ao hip hop de braga.

sirenes - braga som do ghetto



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como editar um primeiro livro

descobri hoje, por acaso, o post que o francisco vale escreveu no blogue da relógio d'água. chama-se "como editar um primeiro livro" e eu não resisto a partilhá-lo convosco; ou recomendá-lo, aliás, porque é feio andar a partilhar coisas que não são nossas.


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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

diário de bordo da visão de nevoeiro (dia um)

e de repente, a minha pequena televisão tornou-se pequena demais para mim. aconteceu pouco antes da meia-final do us open federer-djokovic e, não fosse um estranho ataque de anti-preguiça, tinha perdido aquela bola magnífica do federer. tal como à final de hoje, assisti grande parte da meia-final a vinte ou trinta centímetros da televisão. faz mal aos olhos, bem sei, mas eles já estão tão mal que muito provavelmente não têm já o descernimento necessário para reparar no cruzar do perímetro de segurança ocular.


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sábado, 12 de setembro de 2009

.10

tudo porque os nossos dias se partiam em tempos diferentes, porque os nossos sonhos se desenhavam em caminhos opostos ou porque os nossos tudos se espalhavam em pequenos quases.

talvez tenha sido da ousadia com que quebramos o deslumbramento dos dias paralelos, tropeçando um no outro em forçado voo oblíquo.


escrito por joão martinho | | comentar




gémeos não idênticos

só para lembrar os mais distraídos que o pedro e a mariana foram admitidos nos cursos que queriam, ele em génetica e biotecnologia na utad, ela em novas tecnologias da comunicação na ua.


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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

jay jay johanson

há uns anos utilizava regularmente a expressão "so tell the girls i am back in town", como que à espera de impressionar alguma. estranhamente, nunca nenhuma se mostrou impressionada e, pior, nunca nenhuma parece ter reparado neste recado. meia volta, no entanto, continuo a lembrar-me desta frase e gosto de a cantarolar por aí.

desta vez, apesar de não ter dado em nada, parece ter sido prenúncio de boas notícias: bastou mudar o tópico no gtalk para que a raquel me dissesse que ele vem ao são mamede, em guimarães, no dia 14 de novembro. é ir.

and, tell the girls i am back in town.



I've been on the road
I've been on vacation
I've been travelling light to reach my final destination

Now I'm coming home

So tell the girls that I am back in town
You'd better tell them to beware
Well they may go or they might try to hide
I follow on and I'll be there
So tell the girls that I am back in town
And if it's true I do not know
That every girl around has missed me since
I decided to go

I could be your friend
I could be your stranger
I could be the one your mother said would be a danger
Now it's up to you


escrito por joão martinho | | comentar




segunda-feira, 7 de setembro de 2009

manuela ferreira leite

Costuma dizer-se que quem não é comunista aos vinte anos é porque não tem coração e que quem o é aos quarenta é porque não tem cabeça. Talvez tenha sido por essa óptica que a célebre declaração de Bernardino Soares - "tenho sérias dúvidas de que a Coreia do Norte não seja uma democracia", ou algo parecido - foi entendida. Apesar de extremamente criticado, parecia encoberta uma subtil desculpabilização: "é jovem, fala com o coração e a fé tolda-lhe a visão".

Hoje descobrimos que, afinal, faltava uma parte à equação matemático-política: aos vinte anos pensa-se com o coração, aos quarenta com a cabeça e aos sessenta pensa-se de novo com o coração. Depois de Bernardino Soares, foi a vez de Manuela Ferreira Leite classificar de democrata um micro-clima político que aparenta ser tudo menos democrático.

Fê-lo na Madeira e ao declarar que o governo de Alberto João Jardim é um exemplo de "um bom governo PSD". Foi mais além e, aos que acusam o madeirense de "asfixiar a democracia" no arquipélago, a dirigente social-democrata lembrou que "quem legitima o poder é o voto do povo e não está ninguém aqui por imposição, é em resultado dos votos", argumento que serve para desculpar alguns movimentos fascistas europeus, por exemplo. Mas não, as gaffes não se ficaram por aqui.

Manuela Ferreira Leite afirmou ainda que acha "que há asfixia democrática no continente", porque, segundo a dirigente, "todos os jornalistas, todos os empresários, muitas das pessoas da sociedade civil, percebem que estão sob algum tipo de chantagem". Curiosamente, o argumento que utiliza para contrariar a ideia de que o regime madeirense "asfixia a democracia" deixa de servir para o continente. Também muito curioso, sobre o facto de poder haver algum tipo de chantagem sobre os jornalistas, empresários e pessoas da sociedade civil madeirense, nem uma palavra proferiu.

Talvez seja da (má) companhia, ou simplesmente por incompetência, mas a verdade é que Manuela Ferreira Leite continua a surpreender-nos com parvoíces atrás de parvoíces. Pode ser que seja do coração, mas nesse caso talvez seja aconselhável um pacemaker para a ajudar a controlar o ritmo das declarações inflamadas e, antes de tudo, impróprias para alguém com a responsabilidade dela.


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domingo, 6 de setembro de 2009

um domingo pastiche de dalí



salvador dalí


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sábado, 5 de setembro de 2009

formação superior: profissionalidade e habilitação cívica

Talvez pela admiração que sempre emprestamos aos nossos companheiros europeus, talvez pela efabulação dos relatos dos que, de nós, lá tentaram a vida, a verdade é que não escondemos a vergonha do nosso país e do ser português e usamos, sem pejo, expressões como: “isto é um atraso de vida”, “só aqui é que isto acontece” ou “a única solução é emigrar”, entre outras.

Porém, se é verdade que Portugal se encosta constantemente ao fundo do pelotão nas estatísticas europeias, não é menos verdade que os números não reflectem mais que os comportamentos dos cidadãos portugueses. Ou seja: ao contrário do que nos serve tantas vezes como desculpa, não é o país que condiciona a qualidade de vida dos cidadãos, mas os cidadãos que se abstêm da responsabilidade de melhorar a qualidade de vida no país. Isto revela-se nos vários campos da sociedade portuguesa e é o mote de várias notícias e crónicas sobre o caótico estado da nação portuguesa.

Disto, são paradigmáticos exemplos os artigos e reportagens dedicados à empregabilidade dos licenciados em Portugal, publicados regularmente na nossa imprensa. Entre estes, não há um que não aponte o desemprego como saída profissional da maior parte dos cursos superiores, sendo a medicina humana e a informática frequentemente apontadas como exemplos únicos de garantia de emprego.

Porque lemos e ouvimos estes números vezes sem conta, acabamos por interiorizá-los e acreditar neles como única verdade. Se antes a frequência universitária era entendida como suficiente para assegurar ao estudante um posto de trabalho tão bem reputado como remunerado, agora o ensino superior tende a ser visto como simples desperdício de tempo e dinheiro. Diz-se muitas vezes que por cá já não há lugar para “doutores”, diz-se muitas vezes que são demais.

Outros números, porém, mostram-nos que não reside aí o problema: afinal, o número relativo de licenciados em Portugal é bastante inferior ao da média europeia. E o mais estranho é que os nossos vizinhos europeus, apesar de terem mais licenciados que nós, são o destino profissional de muitos dos portugueses com curso superior.

Onde reside, então, a diferença entre nós e os outros países? Persistimos em olhar a universidade com os olhos das gerações que nos antecederam, entendendo-a mais como centro de emprego do que centro de formação. Esquecemo-nos de que é com a inovação que se dá o desenvolvimento e que é pela falta dela que os nossos parceiros europeus nos têm abandonado na cauda dos rankings.

A solução não passa, portanto, por prescindir do ensino universitário, mas trabalhar para a sua universalização, algo porque devem ser responsabilizados tanto o país como os que nele habitam. Se por um lado cabe ao estado garantir a igualdade de oportunidades no acesso à formação superior e à investigação científica, cabe também aos cidadãos reivindicar esse direito. Esta reivindicação deve passar pela aposta na formação superior que, mais que um direito, deve ser entendida como um dever cívico, já que a pouca formação dos nossos recursos humanos é a base da inabilidade que sentimos nas tentativas de superarmos os diversos problemas sociais.

O futuro do nosso mundo é o conhecimento e já perdemos presentes demais com olhos de passado.


publicado no jornal voz do trabalho, nº 583 (setembro/outubro)


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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

as eleições autárquicas, parte dois

aqui.


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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

além-tejo

o alentejo está presente no imaginário de minhotos e transmontanos como paradigma da beleza serena. talvez pela saturação da paisagem verde-húmida, o amarelo vagarosamente torrado dos postais alentejanos embala os sentidos e, num fechar de olhos, conseguimos sentir o sol, o presunto, o pão, o queijo, o vinho; conseguimos sentir em cada um deles o calor que tantas vezes nos falta, nos dias intermináveis de chuva torrencial.

talvez cada minhoto e cada transmontano tenha no seu imaginário um postal alentejano diferente. o meu é sempre o mesmo: um sobreiro só no topo de uma pequena colina, onde as folhas se abrem numa sombra que parece sombra de nuvem; uma toalha vermelha e branca, uma toalha dos piqueniques das estórias de amor de antigamente; o presunto, o pão, o queijo e o vinho; um dia que cresce e se estica para sempre, um atardecer que se tarda no derreter lento do tempo.


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terça-feira, 1 de setembro de 2009

great lake swimmers #1

domingo, quando me aproximava de évora, pensava qual seria a banda sonora ideal para esse momento. acabei por escolher great lake swimmers e fechei os olhos: a paisagem transformava-se em ondas de areia e o comboio em barco à vela num dia sem vento. demasiado calor e nem sinal de água.



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