Estendeu-lhe um papel amarelo e corou. Disse-lhe que era para ela e que tinha escrito para ela e que gostava dela. E disse-o tudo muito rápido, para não gaguejar e engoliu palavras e voltou a corar, desta vez ainda mais do que na primeira vez. E então, ela olhou para o papel e como não percebia o que dizia, o olhar dela começou a piscar intermitentemente entre ele o papel. E ele, corado e envergonhado, não conseguia desmistificar a mensagem, aparentemente, pouco inteligível. E ela continuava a dividir o olhar entre ele e a folha amarela, à procura de respostas. E aos poucos, mas muito devagarinho - tão devagarinho, como uma folha a cair num dia de Outono pouco vento -, as letras desordenadas - maiúsculas e minúsculas -, desenhadas ou recortadas de revistas, começavam a ordenar-se na testa dele. E ela nada disse, sorriu apenas como nunca tinha sorrido e beijou-o. Aquela era, afinal, a mais bonita de todas as declarações de amor. Porque ele gostava muito dela e ela encontrou, algures no meio das letras perdidas, as razões que queria ter para se apaixonar. E foi assim que começou a estória de amor deles. Pelo que me disseram ainda estão juntos e vivem felizes. E nunca pararam para pensar porque é que gostam um do outro. E porque é que ela racionalmente encontrou a irracionalidade de que precisava para se apaixonar por ele, que irracionalmente insistia que a escolhera racionalmente, porque conseguia contar os defeitos dela com os dedos das mãos e porque ela era a mulher da vida dele. E porque dois faz sempre muito mais sentido que um. E porque todos os dias segredam um ao outro os mesmos versos de um poema que escreveram poucos dias depois daquele dia: porque estar apaixonado nada me diz/só sei que acordo e penso em ti/e se tudo não passa de um sonho,/não me acordes, e diz a todos que já morri.
escrito por by joão martinho Email post
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