anda por aí uma sofia a cantarolar músicas bonitas. chama-se sophie madeleine e canta letras ora bonitas ora parvas, mas sempre docemente roucas, ao ritmo de um ukelele. é música para as estações outono e inverno para dias de chuva de água, folhas ou neve, desde que chovam devagar como se embaladas pela melancolia. e eu ando encantado.
há nacionalismos e nacionalismos. há nacionalismos parvos, nacionalismos saloios, nacionalismos idiotas, mas também os há simpáticos. espanha tem um poucos dos quatro, mas em todos os nacionalismos espanhóis há uma base de nacionalismo simpático. por motivos diferentes, estou ligado a dois deles: um forte (o galego) e outro bastante fraquinho (o valenciano).
há dois anos descobri um anúncio que na altura pensei ser do turismo galego. com a chegada da chuva, lembrei-me do anúncio que dizia que na galiza há "orballo, carballo, choiva, choiva e choiva". agora descobri que os anúncios são afinal de uma cadeia de supermercados e que foi apenas o primeiro de uma série de anúncios de cariz nacionalista. e pronto, são nacionalistas, mas são também bastante simpáticos.
primaveras de lama, invernos, fins de outono, dormentes estações! amo-vos e celebro-vos por assim me envolverem coração e cérebro num diáfano sudário e num vago túmulo
nesta grande planície onde o levante gela, onde noite após noite as aves enrouquecem a minha alma, melhor que nas épocas mornas, amplamente abrirá suas asas de corvo.
pra qualquer coração cheio de coisas fúnebres e onde há já muito tempo se abate a invernia, ó baças estações, rainhas deste clima,
nada melhor que o ar das vossas trevas pálidas, - a não ser, dois a dois, numa noite sem lua, adormecer a dor numa cama ao acaso.
há tipos que não sabem fazer álbuns menos bons, mas esse não é o caso do mozza. aliás, depois do brilhante "you are the quarry", o ratio de boas músicas/más músicas em cada álbum tem vindo a inverter-se de forma tão assustadora quanto o ratio de jogadores portugueses/jogadores brasileiros nas equipas de futebol portuguesas.
ora, mas o mozza é o mozza e se ele é capaz de lançar álbuns particularmente aborrecidos (aproveitam-se duas ou três músicas, do último álbum), também é capaz de partir a loiça com um álbum de b-sides. aliás, não fosse "swords" um álbum de b-sides e, sem algumas músicas demasiado más, seria um regresso em grande.
mas o mozza quis assim e, independentemente da forma, o conteúdo é bastante bom. para o provar, deixo-vos uma das minhas preferidas. um exemplo de como este álbum é mozza, mas nem parece; ou nem parece, mas é; ou nem parece nem é, mas é um bom álbum. enfim, deixo ao vosso critério.
comprei há duas semanas uma zenit 3m, uma máquina fotográfica analógica da antiga união soviética. ontem revelei o primeiro rolo e, apesar de não ter saído quase nenhuma foto em condições - culpa da azelhice do fotógrafo -, as poucas que saíram bem foram suficientes para me deixar um sorriso de orgulho. desenganem-se os que pensam que falo de fotografia; falo de fotografias que, mais por sorte do que por engenho, lá saíram bonitas.
para além da zenit, tenho fotografado também com uma olympus 35 rc que o meu pai tinha guardada em casa e, agora herdada, parece carregar já o peso de património familiar. depois do meu tio-avô, da minha tia e do meu pai, as minhas são, pelo menos, as quartas mãos a disparar nela.
para quem quiser ver o resultado, é só seguir o meu flicko. tem apenas cinco fotografias e não terá mais tão cedo, mas era muito simpático da vossa parte se o visitassem de longe a longe.
aqui em baixo, duas das fotos que tirei com a zenit; na primeira a minha irmã e na segunda o meu irmão.
Sabem aquele anúncio da Vodafone em que um rapaz vulgar de Lineu sonha convidar a monumental Eva Mendes para sair? Pois bem, ele tem um amigo fotógrafo, e a irmã de um amigo de um primo desse fotógrafo parece que trabalhou na equipa de um filme em que entrava a Eva Mendes. Então o nosso rapaz contacta o primo do amigo, o amigo do primo, a irmã do amigo do primo, e finalmente chega ao produtor do tal filme, que lhe envia o contacto do agente da Eva Mendes. O rapaz, agora disfarçado de cineasta americano, vai aos States e tem uma longa reunião com o agente da Eva; este acabar por concordar com o suposto projecto e dá-lhe o número da actriz. E eis o rapaz, felicíssimo e ansioso, a telefonar à mulher dos seus sonhos: dois toques, ela atende: «It’s Eva Mendes». E ele desliga.
Confesso: já fiz isso com a Benedita Pereira.
depois de ler o post dele, andei a pensar por que mulher famosa faria eu tudo isto. não foi fácil, porque eu pareço a raposa da fábula: quando as uvas estão longe demais é porque ainda estão verdes. "insossa". insossa é a minha desculpa preferida para desdenhar uma mulher e, curiosamente, já a apliquei no caso da benedita pereira; é que não há pachorra.
depois de um longo período de reflexão, decidi que, caso quisesse ter aquele trabalho todo para ligar à mulher dos meus sonhos, a mulher dos meus sonhos seria a keira knightley. e, ainda assim, talvez não por ela ser a mulher dos meus sonhos, mas porque o facto de ter nascido no mesmo dia e ano que eu me daria uma desculpa - ainda que parva - para lhe ligar: "olha, por acaso não nos conhecemos de alguma maternidade?".
as grandes obras destacam-se pelos pequenos pormenores. em dexter, a série mais bem escrita dos últimos tempos, os pequenos pormenores aparecem em todo o lado, em todos os episódios, mesmo nos momentos em que menos os esperamos. a nova temporada, actualmente em exibição nos estados unidos, oferece-nos um pormenor particularmente delicioso. decalcado do brilhante genérico inicial, o primeiro episódio oferece-nos um outro ainda mais brilhante genérico inicial. dexter é agora orgulhoso pai e chefe de família num subúrbio-tipo americano. as palavras valem o que valem e, por isso, calo-me e deixo-vos os vídeos:
herdou as palavras perfeitas do nome de poetisa. desenhava-as com cuidado nas costas das folhas que caíam à sombra das árvores. depois, alinhava as folhas em versos e estrofes e sentava-se à espera que o vento as soprasse, que o vento as enrolasse em poesia assobiada. corria entre o vento, pelo meio das folhas, e soprava as palavras que fugiam ao assobio e quase morriam no chão.
e quando o vento lhe dizia adeus, assobiando-lhe o nome cada vez mais baixinho, e quando as palavras caíam amarelas e vermelhas e castanhas, ela mergulhava na relva só para vê-las cair; eram à vez flocos de neve, gotas de chuva e estrelas cadentes. eram dias inteiros que derretiam em dois segundos, palavras que desmaiavam vazias, cores de nostálgica melancolia; mas eram também pó da poesia que não cabe nos livros e rasto do vento que a assobia. chamava-se sophia.
os kings, os tipos das músicas bonitas ao ritmo dos "pim pim pim" do dedilhado da guitarra, têm um novo álbum. chama-se declaration of dependence e não disfarça nada: é um álbum dos kings of convenience e à primeira ou segunda audições parece apenas isso.
mas à terceira, e à quarta, e à quinta audições reparamos que, afinal, isso não é defeito nenhum. lembramo-nos das tardes frias e das saudades delas que esquecemos ao arrumar na estante os anteriores álbuns dos kings.
declaration of independence é um álbum bastante razoável e tem uma música que é das minhas favoritas a música do ano: boat behind.
os kings vão passar por braga em breve, por isso, quem quiser convidar-me, é favor fazê-lo. eu agradeço.
sobretudo no instante em que o vento de outubro vem com os dedos de geada flagelar os meus cabelos e eu, preso pelas garras do sol, caminho sobre as chamas e estendo sobre a terra uma garra sombria junto à orla do mar, ouvindo o ruído dos pássaros e o crocitar do corvo nas ramarias de inverno, é que mais estremece o meu coração com a sua voz e se derrama o sangue silábico ou as suas palavras perdidas
assim encerrado numa torre de palavras eu desenho sobre o horizonte, ao caminhar como as árvores, os perfis verbais de mulheres e, num parque, as filas longas das crianças cujos gestos se assemelham a estrelas. há quem pretenda que eu te crie das faias vocálicas, das vozes dos carvalhos ou que te conte uma narrativa a partir das raízes de muitas províncias espinhosas, e há quem pretenda que te crie das palavras de água.
através de um vaso de fenos, o relógio que oscila pronuncia a palavra das horas, o sentido enervado paira sobre o círculo do pêndulo, declama a manhã e vem anunciar no cata-ventos a tempestade. há quem pretenda que dos sinais do prado eu te crie; a erva memorável que me diz tudo o que já sei rompe através do olhar com o inverno cheio de vermes. e há quem pretenda que eu te conte os pecados do corvo.
sobretudo no instante em que o vento de outubro (há quem pretenda que te crie de uma outonal magia, dos sonoros montes do país de gales ou da baba das aranhas) vem com o punho dos bolbos flagelar a terra, há quem pretenda que te crie com palavras sem coração. o coração esgota-se estremecendo com a fuga do sangue químico, consciente de como a agitação chega. junto à orla do mar, escuta as negras vogais dos pássaros.