victor hugo cardinali, apesar da fama - e esperemos do proveito, porque não andamos cá para desejar mal a ninguém -, não se inibe de levar ele próprio o lixo à rua, vestindo um informal fato-de-treino verde.
há muito muito tempo, era ainda uma criança conheci o xavier. ele gostava de suede e eu de blur. ele dizia mal do damon albarn e que o brett anderson é que era - porque não quero confiar na memória, fico-me pelo "é que era" para evitar coisas como "o mais giraço", "o mais estiloso" ou "o gajo mais genial de sempre"; nenhuma das hipóteses andaria muito longe do que o xavier dizia, mas eu prefiro ficar-me pelo pós-moderno "é que era" para que ele não me venha malhar depois.
acabei por ceder e os suede tornaram-se rapidamente na minha banda preferida. tenho, aliás, a discografia completa deles - à excepção do singles e do head music -, enquanto dos blur não tenho um álbum original, sequer. redimi-me por ter oferecido um cd dos blur ao meu irmão, mas a verdade é que desde que os suede entraram na minha vida, os blur nunca mais tiveram grande espaço.
lembrei-me da descoberta dos suede ao ouvir o live do leonard cohen, a que voltarei num outro post. isto porque o xavier era verdadeiro fã e, antes do advento da "sacagem" de mp3, já usava a internet para comprar bootlegs dos concertos. lembro-me do entusiasmo dele a percorrer as páginas rudimentares na internet, lendo set lists e descrições dos bootlegs. lembro-me do entusiasmo que era ainda maior ao mostrar-me a mais recente aquisição.
talvez por inconsciente respeito, nunca mais ouvi nem bootlegs nem cd's ao vivo. na altura ouvia os bootlegs e sonhava com concertos dos suede, que pareciam nunca mais cá vir. vi-os duas vezes antes de terminarem. tenho ouvido leonard cohen e, entre recordações, tenho sonhado com o concerto de leonard cohen que ainda vou ver.
não podia ser de mais ninguém: na semana em que comprei o bilhete para leonard cohen, o friday night live é para o senhor cohen. a música é a lindíssima "dance me to the end of love" que abre o mais recente álbum, live in london.
a endoscopia digestiva alta é de um grau de violência bastante alto. haverá coisas piores - e não serão poucas -, mas eu dispensava facilmente essa obrigação em troca de outros sacrifícios como comer lulas fritas ao pequeno-almoço durante uma semana, andar de pé nos autocarro, comboio e metro durante um mês ou, até, ver um concerto do andré sardet. este último, como é óbvio, com anestesia.
hoje deveria ter feito a que, estimo, teria sido a sexta endoscopia da minha vida de doente do estômago. não é fácil a vida de doente do estômago e torna-se especialmente aborrecida quando se deixa de ser doente do estômago. ninguém parece acreditar que já estamos bons e, o que nós esperamos que seja a definitiva última vez, é para as outras pessoas um natural diagnóstico de rotina.
obviamente, nunca dou ouvidos às outras pessoas e preparo o exame com a convicção de que será a última vez que o faço - tinha dezoito anos quando o pensei pela primeira vez; preparava-me para fazer a segunda, na altura.
depois de me preparar para quarta-feira, reparei que tinha decorado mal a data. parecia mentira: não era no dia um de abril, mas sim no dia dois. respirei de alívio e ingeri todo o açúcar que consegui para o celebrar.
voltei a preparar-me para hoje, a data real do exame, e, ao chegar ao hospital, informam-me que ainda não será hoje. os enfermeiros estão em greve e, por isso, o meu exame - o meu último exame - será reagendado.
no caminho de regresso lembrava-me de bordieu e tive vontade de dar-lhe razão: habermas, às vezes a violência simbólica dói mais que a violência física. senti isso no meu estômago em dores de jejum; lembrei-me que as dores de garganta são, pelo menos, uma boa desculpa para comer gelados.